CONTRA AGNOSTICOS
Refutando os erros daqueles que julgam Deus como objeto de dúvida ou como algo meramente possível, mas não certo e necessário
INTRODUÇÃO
Muitos me criticaram, acusando-me de prepotência por ousar refutar figuras como Alvin Plantinga e William Lane Craig. De fato, trata-se de uma empreitada ousada, exigente em estudo e esforço. No entanto, não se trata de vaidade intelectual, mas da necessidade imperiosa de expor a verdade e denunciar o erro.
O agnosticismo — seja em sua forma ateísta (que não crê por não saber se Deus existe) ou piedosa (que pode crer, mas sem certeza) — tem ganhado popularidade por se apresentar como uma suposta posição “moderada” entre o ateísmo e o “teísmo fanático”. Mas essa postura é profundamente perversa. Pois, se Deus, que é o próprio Ser Subsistente (Ipsum Esse Subsistens), for tido como objeto de dúvida, então tudo o mais também se torna duvidoso.
A moral objetiva? Questionável. A religião católica? Incerta. A própria noção de ser, de causalidade, de bondade, de inteligibilidade do real — todas ruem com o colapso da certeza sobre Deus. Pois se o Ser Necessário é tido como apenas possível, já não se pode falar nem mesmo de possibilidade. O alicerce ontológico da realidade fica comprometido. E a consequência inevitável é o niilismo, tanto metafísico quanto moral.
Neste estudo, demonstrar-se-á que: ou se aceita Deus como Ser Necessário, fundamento absoluto de todo ente, ou se nega tudo — e com isso, nega-se também a si mesmo. O conhecimento de Deus ou é absolutamente certo, ou absolutamente nada é certo. O agnosticismo, por mais que tente mascarar-se de neutralidade ou prudência, é ateísmo em ato.
Este é o objetivo do presente estudo:
Explicitar o que é o agnosticismo, distinguindo seus diferentes graus e modos;
Demonstrar que não se trata de uma posição neutra, mas de uma forma velada de negação;
Provar que essa suposta neutralidade é ontológica e logicamente impossível;
E, por fim, mostrar como o agnosticismo se dissolve à luz da certeza racional do conhecimento de Deus.
Com isso, inicia-se o presente artigo.
O QUE É AGNOSTICISMO
Com o advento do ateísmo moderno, iniciou-se também a disputa entre teístas (católicos e protestantes) e ateus. Os católicos, fiéis à tradição, recorreram às cinco vias de Santo Tomás. Já os protestantes, movidos por seu habitual orgulho de autodidatas iluministas, passaram a elaborar argumentos próprios, frequentemente em rejeição explícita às vias tomistas. Os ateus, por sua vez, tentaram sofisticar seus velhos chavões, dando um verniz analítico ao paradoxo de Epicuro e ao argumento da economia — que, sejamos honestos, são praticamente as únicas ferramentas que possuem.
Entretanto, alguns, provavelmente por covardia ou respeito humano diante de um dos lados, resolveram adotar uma posição que pretendeu ser uma espécie de “linha média”: a ideia de que Deus não pode ser conhecido com certeza, e portanto não se deve afirmar nem negar Sua existência. É essa postura que se denomina agnosticismo.
O agnosticismo pode ser definido como a posição intelectual segundo a qual o conhecimento de Deus é incerto ou mesmo impossível. Ele se divide, geralmente, em duas formas principais:
Agnosticismo ateísta: recusa-se a crer em Deus, mas não nega categoricamente Sua existência. É a postura típica do chamado “ateu agnóstico”, que prefere viver em dúvida confortável, esperando que o céu ou o inferno se resolvam sozinhos.
Agnosticismo piedoso: admite uma crença em Deus, mas recusa a certeza de Sua existência. É a forma mais enganosa, pois pretende manter os méritos da fé sem aceitar as exigências da razão. Em vez de um ato de inteligência, torna-se um sentimentalismo covarde. Geralmente tomam para si o nome de “teísta ou deísta agnóstico”.
Contra muitos teóricos de redes sociais, nega-se aqui categoricamente a possibilidade de um agnosticismo absoluto ou neutro, que pretendesse não ser nem positivo nem negativo. Tal postura implicaria uma imparcialidade absoluta diante do ser — o que é, por sua própria natureza, impossível. Diante do Primeiro Princípio e Causa de todas as coisas, ou se afirma, ou se nega. Não há meio-termo. A suposta neutralidade é uma ficção, uma covardia disfarçada de prudência. A imparcialidade radical é uma ilusão metafísica. Ninguém permanece verdadeiramente “em cima do muro” — até porque o muro já está dentro do campo do real, e o real exige posicionamento intelectual. Afirma-se, com efeito, que até para ser agnóstico há de se tomar um lado.
Assim, podemos percorrer a genealogia do agnosticismo.
Início com Thomas Henry Huxley
Em 1889, foi publicado o ensaio Agnosticism1, de Thomas Huxley, avô de Aldous Huxley, respondendo ao anglicano Dr. Wace, que criticou o agnosticismo com razão, mas desprovido da verdade metafísica e teologia. O termo já tinha sido cunhado antes por Huxley, mas o ensaio é particularmente importante porque aqui o biólogo conhecido como Buldogue de Darwin buscou expor a sua doutrina com maior profundidade (ao menos dentro do que a sua limitação permitia). Com efeito, Huxley escreve:
“A fé que o Dr. Wace elogia é de nenhum valor probatório.
“Se a fé dos muçulmanos em Maomé produziu o mundo islâmico, e a fé dos cristãos em Cristo produziu o mundo cristão, ambas foram igualmente eficazes...
“Mas isso só prova que a fé é eficaz — não que o objeto da fé seja verdadeiro.”2
E ainda:
“O agnosticismo não é um credo, mas um método...
“Positivamente: Em questões intelectuais, siga a sua razão o mais longe que ela o levar, sem se preocupar com quaisquer outras considerações.
“Negativamente: Em questões intelectuais, não finja que conclusões são certas quando não são demonstradas ou demonstráveis.”3
E mais ainda:
“Isso é o que considero a fé agnóstica: que, se um homem a mantiver íntegra e sem mácula, ele não terá vergonha de olhar o universo no rosto, seja o que for que o futuro lhe reserve.”4
Assim, podemos resumir assim o agnosticismo huxleyano: é uma posição que busca reconhecer a sua limitação intelectual para conhecer a Deus ou qualquer forma de realidade espiritual. O agnosticismo, como colocado acima, é praticamente uma fuga porque ele coloca o seguinte: “não finja que conclusões são certas quando não são demonstradas ou demonstráveis”. Ele colocava ainda noutra parte:
“Então refleti e inventei o que considerei ser o título apropriado: ‘agnóstico’. Ele me ocorreu como antítese sugestiva do ‘gnóstico’ da história da Igreja, que professava saber tanto justamente sobre as coisas que eu ignorava.”5
Essa confissão revela, nas entrelinhas, uma repulsa generalizada a toda forma de religião — verdadeira ou falsa —, pois rejeita de antemão a possibilidade mesma de revelação divina ou certeza metafísica. Huxley ainda diz que “afirmar que deve ser desagradável para um homem dizer claramente aquilo que ele sinceramente crê, após devida reflexão, é, para mim, uma proposição de caráter profundamente imoral”.6 Huxley, consequentemente, nega a autoridade de Cristo ao acusar os escritores sagrados de falsificação, escancarando o seu ódio. Escreve o autor: “Ou Jesus disse o que se relata que Ele disse, ou não disse. No primeiro caso, sua autoridade sobre assuntos do ‘mundo invisível’ é seriamente abalada; no segundo, o golpe recai sobre a autoridade dos evangelhos sinópticos.”7
Auguste Comte e o seu agnosticismo
Auguste Comte foi criticado por Huxley no mesmo ensaio que coloquei acima. Huxley escreve:
“Quando o positivista me pede para adorar a Humanidade — isto é, a concepção generalizada dos homens como sempre foram e provavelmente sempre serão — devo responder que eu poderia muito bem me ajoelhar e adorar uma concepção generalizada de uma selva de macacos.”8
Note-se aqui o escárnio típico de Huxley, que, embora darwinista convicto e portanto incapaz de reconhecer uma diferença essencial entre homens e macacos, ainda assim se recusava a transformar a “Humanidade” em objeto de culto — ao contrário de Comte, que havia substituído a teologia pela idolatria antropocêntrica. Ainda assim, no que diz respeito ao conhecimento de Deus, ambos coincidem: a questão é descartada como irrelevante.
O agnosticismo de Comte funda-se essencialmente na indiferença. A existência de Deus — segundo ele — é uma questão inútil, improdutiva, desnecessária ao progresso humano. Em sua filosofia, o estágio teológico pertence à infância da humanidade, enquanto a maturidade se realizaria no abandono total da metafísica e na entronização da utilidade científica.
Arrisco dizer que o agnosticismo negativo de Comte é o mais comum entre os indiferentes — os que vivem como se Deus não existisse —, ao passo que o de Huxley é o mais comum entre os que ainda fazem barulho contra a Fé, travestindo sua incredulidade de método filosófico, mais ainda sim um agnosticismo ateísta.
O Pe. Leonel Franca, S.J., com precisão cirúrgica, resume o positivismo comtiano:
“Para Comte a negação de Deus e a adoração da Humanidade representam a última fase, a mais perfeita e definitiva, na evolução da nossa história. Obtido por via de fé na vida religiosa, ou por atividade racional no esforço de ascensão metafísica, o conhecimento de Deus, explicação suprema do Universo, é apenas uma condição da infância humana, uma fase essencialmente efêmera e que deverá ceder o lugar às atitudes definitivas da virilidade. Na plenitude de sua madureza, o homem despreocupa-se por completo dos problemas de origem e de finalidade do universo. Saber se as cousas têm ou não uma razão de ser ou se os destinos do homem se prolongam além das fronteiras da morte, são questões desinteressantes e sem sentido. O que o absorve todo é unicamente indagar as relações de coexistência ou de sucessão. A ciência e a filosofia perdem de todo o seu alcance especulativo para conservar apenas um valor de utilidade pragmática. Para as curiosidades mais irreprimíveis da nossa inteligência em face dos mistérios do ser já não têm nem podem ter resposta satisfatória; subministram apenas à nossa ação de cada dia normas e receitas práticas.”9
Ou seja, como coloca com precisão o padre jesuíta, Comte entronizou o niilismo intelectual travestido de progresso. Sua doutrina conclui que a indiferença ao conhecimento de Deus — independentemente de Ele existir ou não — é sinal de evolução e maturidade. Dessa forma, Comte oferece uma base “filosófica” para a irreligião moderna, que rapidamente degenerou no ateísmo militante e no tecnocratismo autorreferente das sociedades contemporâneas.
O argumento agnóstico-ateísta do ocultamento divino
Alguns, já inclinados ao ateísmo, recorrem ao chamado argumento do ocultamento divino (AOD), o qual parte de um grave erro lógico e metafísico. Trata-se, por assim dizer, de um “Plantinga às avessas”, não quanto ao argumento ontológico, mas quanto à tese da crença básica inata.
O argumento foi originalmente formulado por John L. Schellenberg e pode ser resumido da seguinte maneira10:
Se Deus existe e é perfeitamente amoroso, Ele desejaria uma relação com todos os seres humanos.
Uma relação pessoal exige conhecimento da existência da outra parte.
Mas existem pessoas racionais e sinceras que não creem em Deus.
Logo, Deus não existe.
Comecemos pela primeira premissa desse silogismo falacioso: “Se Deus existe e é perfeitamente amoroso, Ele desejaria uma relação com todos os seres humanos.” Aqui está o cerne do erro: um sentimentalismo piegas que recusa-se a definir o que seja amor em sentido teológico e escolástico. Schellenberg projeta uma noção meramente humana e psicologizante de amor sobre Deus, ignorando completamente a analogia do ser e a distinção entre amor divino e afetividade humana. Reduz, assim, Deus a uma entidade relacional, como se fosse um terapeuta celestial carente de vínculos emocionais. Aqui vemos que a base metafísica é nula e inexistente.
Na realidade, é o homem quem deve buscar a Deus; não o contrário. O Criador não é obrigado a bajular Sua criatura. Ademais, a caridade divina opera segundo a ordem da sabedoria eterna, não segundo caprichos sentimentais. O autor, pois, transforma o Altíssimo em algo menor do que o próprio homem.
Alguns protestantes tentam refutar esse argumento, mas o fazem com fraqueza teológica. Alvin Plantinga, por exemplo, apela a uma suposta crença básica inata, caindo num fideísmo modernista. Já William Lane Craig propõe que podemos “experimentar Deus” mediante a ação direta do Espírito Santo — uma tese igualmente subjetivista e influenciada por pietismo protestante.
Ambos, no fundo, seguem a noção do sensus divinitatis de João Calvino, que sustentava haver em todo ser humano uma percepção interna da divindade, suficiente para gerar culpa diante da rejeição dessa percepção. O próprio Schellenberg reconhece e compreende essa influência. Escreve reformador de Genebra:
“Está fora de discussão que é inerente à mente humana, certamente por instinto natural, algum sentimento da divindade. A fim de que ninguém recorra ao pretexto da ignorância, Deus incutiu em todos uma certa compreensão de sua deidade, da qual, renovando com freqüência a memória, instila de tempos em tempos novas gotas, para que, quando todos, sem exceção, entenderem que há um Deus e são sua obra, sejam condenados, por seu próprio testemunho, por não o cultuarem e não consagrarem a própria vida à vontade d’Ele. Com certeza, se buscamos em algum lugar a ignorância de Deus, é verossímil que em nenhum outro lugar possa ser exibido exemplo melhor que entre os povos grosseiros e mais afastados da cultura humana. Não obstante, nenhuma nação, afirma o gentio, é tão barbara, nenhum povo é tão selvagem que não se convença da existência de um Deus.”11
Calvino, com seu rigorismo característico, não erra tanto no conteúdo, mas sim na abordagem. A impressão que transmite é que a razão natural, inclinada a conhecer a Deus, serve mais para nos tornar culpáveis do que para nos atrair ao Sumo Bem, que é o próprio Deus. Podemos dizer que o ateu canadense (Schellenberg) acerta per accidens em sua crítica, mas não percebe que a culpa é real, e que a soberba — exacerbada pela mancha do pecado original — é a principal causa da descrença. É importante frisar que, embora a tese de Calvino não esteja inteiramente errada, ela conduz a graves incompreensões que, de certo modo, acabam por favorecer o ateísmo.
O pecado original é a chave explicativa do núcleo do argumento do ocultamento divino, pois este argumento se dirige não a um deus impessoal, como o Brahman hindu, mas a um Deus pessoal, como o revelado no cristianismo. Tanto Schellenberg como seus seguidores — Theodore Drange e Stephen Maitzen — baseiam-se nesse pressuposto. Podemos afirmar que, embora não mereçamos uma relação pessoal com Deus, tampouco uma revelação pública da parte d’Ele, dado que ninguém pode merecer isso por suas próprias forças, houve sim um tempo em que toda a humanidade gozava dessa relação. Isso está claramente atestado na Sagrada Escritura: quando toda a humanidade se resumia a Adão e Eva, ambos tinham uma relação direta com Deus (cf. Gênesis 2–3) e já nasceram adultos, dotados de ciência infusa.
Mesmo que a razão natural não alcance diretamente o conhecimento que Adão e Eva possuíam, ela pode concluir, com base em princípios metafísicos, a necessidade de primeiros pais dotados de razão. Não é possível regredir indefinidamente numa cadeia de gerações, e seria absurdo supor que de um animal irracional tenha nascido um bebê com potência racional que, por si só, pudesse desenvolver-se plenamente. Os casos de crianças criadas como selvagens demonstram isso: sem linguagem, sem cultura e sem educação adequada, não se tornam plenamente humanas no sentido intelectual12. Ora, é impossível que esses primeiros pais não tenham recebido nada de Deus. Por isso, foi necessário que Deus lhes comunicasse uma primeira revelação, como nos testemunha a Escritura. Entretanto, com a desobediência e o consequente afastamento de Deus, a humanidade — ao longo das gerações — foi-se culpavelmente afastando d’Ele. É por isso que hoje há uma multiplicidade de religiões, crenças idólatras, animismos e até locais onde não há espiritualidade alguma definida. Ainda assim, Deus, em sua misericórdia, preparou um Redentor para os que, embora descendam dos ímpios, buscam sinceramente a verdade.
O fato de existirem tantos incrédulos e infiéis se explica, pois, pelo pecado original e pelo consentimento voluntário ao pecado atual, o qual cega o intelecto. Como o conhecimento intelectual humano passa necessariamente pelos sentidos externos, a cegueira da mente é causada pelos vícios sensíveis que distorcem a apreensão da verdade — e entre esses, a luxúria ocupa um lugar privilegiado na degradação da alma13. Assim, o afastamento voluntário de Deus acaba por obscurecer-Lhe a presença ao intelecto. Trata-se, pois, de ignorância culposa.
Com isso, podemos passar à análise do chamado agnosticismo “piedoso”.
O agnosticismo “piedoso” dos protestantes e modernistas
Aqui entramos no agnosticismo piedoso, mas ainda agnosticismo. Resumidamente é um fideísmo mitigado onde Deus não pode ser demonstrado pela razão ou mesmo apenas alcança a possibilidade, mas não a certeza, contrariando a definição do Vaticano I14. Com efeito, já denunciei Alvin Plantinga e William Lane Craig como agnósticos noutro artigo e em vídeo e não preciso aprofundar muito aqui. Há o agnosticismo dos modernistas. Para expor o agnosticismo modernista basta citar São Pio X, o início de sua encíclica mais famosa:
“Começando pelo filósofo, cumpre saber que todo o fundamento da filosofia religiosa dos modernistas assenta sobre a doutrina, que chamamos agnosticismo. Por força desta doutrina, a razão humana fica inteiramente reduzida à consideração dos fenômenos, isto é, só das coisas perceptíveis e pelo modo como são perceptíveis; nem tem ela direito nem aptidão para transpor estes limites. E daí segue que não é dado à razão elevar-se a Deus, nem conceder-lhe a existência, nem mesmo por intermédio dos seres visíveis. Segue-se, portanto, que Deus não pode ser de maneira alguma objeto direto da ciência; e também com relação à história, não pode servir de assunto histórico. Postas estas premissas, todos percebem com clareza qual não deve ser a sorte da teologia natural, dos motivos de credibilidade, da revelação externa. Tudo isto os modernistas rejeitam e atribuem ao intelectualismo, que chamam ridículo sistema, morto já há muito tempo. Nem os abala ter a Igreja condenado formalmente erros tão monstruosos.”15
Mais à frente, a consequência desse agnosticismo:
“De que modo porém os modernistas passam do agnosticismo, que é puro estado de ignorância, para o ateísmo científico e histórico que, ao contrário, é estado de positiva negação, e por isso, com que lógica, do não saber se Deus interveio ou não na história do gênero humano, passam a tudo explicar na mesma história, pondo Deus de parte, como se na realidade não tivesse intervindo, quem o souber que o explique.”16
Trata-se, pois, de um agnosticismo que serve de porta giratória para o ateísmo prático e para a completa secularização da inteligência e da cultura. E mais: ele se reveste de uma falsa humildade, mas é, na verdade, soberba intelectual. É o “não se pode saber” que, na prática, afirma “não se deve saber”. Creio que isso baste para expormos definitivamente as refutações do agnosticismo.
A CRÍTICA AO AGNOSTICISMO
O agnóstico afirma: “É impossível conhecermos com certeza a Deus.” Ora, isso é uma monstruosidade filosófica e um envenenamento espiritual. Tanto o ateu quanto o agnóstico — seja na versão negativa (do tipo “não sei se Deus existe”) quanto na positiva (“não podemos saber”) —, no fim das contas, afirmam o mesmo, e pela mesma razão: é impossível conhecer o que não existe.
Primeiramente, para alertar os católicos desavisados, é necessário deixar claro: é absolutamente proibido afirmar que Deus é objeto de dúvida. Isso é heresia condenada pelo Magistério infalível da Igreja, como já colocado acima:
“Se alguém disser que o Deus uno e verdadeiro, criador e Senhor nosso, não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas: seja anátema.”17
E também pela Sagrada Escritura:
“De fato, as coisas invisíveis dele [de Deus], isto é, o seu poder eterno e a sua divindade, depois da criação do mundo, compreendendo-se pelas coisas feitas, tornaram-se visíveis, de modo que são inescusáveis” (Rom. 1, 20)
Com respeito à definição vaticana, o termo usado no original latino é “certo cognosci”, que significa literalmente “ser conhecido com certeza”. No texto escriturístico, o original grego18 para “inescusáveis” é ἀναπολογήτους (anapologētous), que pode ser traduzido também por “indesculpáveis”. Ainda lemos a palavra νοούμενα (nooumena), particípio de νοέω (noeō), que significa “compreendidos pelo intelecto” — isto é, não se trata de fé cega, nem de intuições místicas, mas de conhecimento racional e objetivo.
Reflitamos com cuidado — como já argumentei em meu artigo “Contra Plantingam et Craigum et socios” —: se o conhecimento de Deus fosse meramente provável, então os ateus seriam, ao menos em parte, desculpáveis. Mas a Sagrada Escritura, com a autoridade divina, afirma que são inescusáveis. Logo, mostra-se que os agnósticos também são culpáveis, pois negam a evidência natural da existência de Deus, manifesta em todas as criaturas.
Para o católico, não há espaço para o agnosticismo: qualquer dúvida consciente destrói integralmente a fé. Contudo, é preciso demonstrar a razoabilidade dessa certeza, pois a falsa sabedoria do mundo, com sua retórica inflada, muitas vezes soa mais persuasiva do que a verdade revelada, limitada pela linguagem humana. Contra os erros dos nominalistas, kantianos, humeanos e seus congêneres, afirmamos que o homem pode sim conhecer a essência das coisas, ao menos de modo confuso, mediante o conhecimento das quatro causas. Os ateus modernos, direta ou indiretamente influenciados por Kant, Hume, Hobbes e Hegel19, negam essa possibilidade para assim obscurecer a realidade do ser e, por consequência, rejeitar o conhecimento e a existência de Deus.
AS CAUSAS E AS DEMONSTRAÇÕES DO SER DE DEUS
Para tal empresa, é necessário aqui deixar claro o que é causa (em especial, a causa eficiente) segundo a doutrina das quatro causas aristotélicas. O princípio é “aquilo que põe ordem em algum processo”20. A definição tomista estabelece certa distinção com a causa, que é “aquilo de que algo depende ou segundo o ser ou segundo o fazer-se”21. No entanto, há que destacar que toda causa é princípio, mas nem todo princípio é uma causa. Assim, é possível estabelecer que a causa eficiente é “o princípio a quo per se da mudança e da permanência como primeiro no ser”22. A inclusão das expressões latinas não é preciosismo meu e nem do autor da definição (Padre Álvaro Calderón seguindo a Aristóteles), razão por que sem a inclusão destas a definição não teria a precisão de que precisamos, pois estamos tratando da causa eficiente. O a quo seria algo como “pelo qual” ou “por qual” e per se significa “essencialmente” ou “por si”, mas aqui é algo como “essencialmente”. No entanto, a manutenção em latim ajuda a nos dar melhor a precisão necessária.
Como não somos panteístas ou panenteístas, há de esclarecer que existem dentre as quatro causas, duas causas intrínsecas (material e formal) e duas extrínsecas (eficiente e final). Deus, absolutamente distinto da criação, é a causa eficiente primeira e a causa final última de todos os entes contingentes. Convém recordar que todas as cinco vias tomistas se fundamentam nessa estrutura: a quinta via refere-se expressamente à causa final, enquanto as quatro primeiras tratam da causa eficiente, e não apenas a segunda via, como se pensa de modo superficial.
Recordemos ainda a definição de causa em Santo Tomás:
“[A causa é] aquilo de que algo depende ou segundo o ser ou segundo o fazer-se.”23
Assim, o efeito depende essencialmente da causa segundo o ser. Ilustremos com o prosaico exemplo dado pelo Pe. Calderón:
“Toda vez que pomos a chaleira no fogo (contiguidade espacial), segue-se o esquentamento da água (sucessão temporal); mas é evidente que o calor não é uma propriedade da água, mas do fogo: o calor pertence ao fogo por essência, e à agua por participação.”24
O fogo é quente per se; é de sua essência estar quente em ato. A chaleira (ou panela) só pode esquentar porque recebe do fogo o ato que não possui em si mesma — a quentura — e, assim aquecida, pode comunicá-la à água. A chaleira comunica a quentura recebida, mas não poderia dar o que não tivesse antes recebido. Nesse exemplo, o fogo é quente per se, a água torna-se quente per accidens.
Todavia, surge uma objeção: no exemplo há contiguidade temporal, pois fogo, chaleira e água coexistem no tempo. Ora, Deus, sendo eterno, está fora do tempo; não há, portanto, contiguidade temporal entre Ele e a criatura. Isso não dificultaria a demonstração da Sua existência e, consequentemente, não justificaria o agnosticismo piedoso?
Respondo: de fato, o exemplo, extraído de um manual de Física Geral do Pe. Calderón, não é dos mais adequados para ilustrar a eternidade divina. No entanto, ele cumpre sua função: com a luz da Física e da Lógica, preparamos o espírito para adentrar, de modo mais seguro, o terreno da Metafísica, onde tais dificuldades são devidamente resolvidas. O caminho obscuro da filosofia primeira torna-se mais claro quando já iluminado pelos conhecimentos anteriores.
A causa eficiente na Metafísica
Antes de prosseguir, é necessário lembrar que para crer em Deus ninguém precisa estudar Aristóteles nem Santo Tomás de Aquino. Sou o primeiro a defender aqui o que chamo de caipirismo metodológico: método que nos ensina que um conhecimento que não seja suficientemente acessível a uma pessoa simples e honesta — ainda que de forma confusa — deve ser rejeitado. O conhecimento de Deus, bem como a noção de ente e ser, são perfeitamente acessíveis a um caipira, entendido como símbolo da simplicidade e da honestidade intelectual.
O que defendo, com efeito, é que todos podem conhecer a Deus, e de fato O conhecem de certo modo, conforme exposto nas cinco vias tomistas25. A complexidade dos tratados escolásticos e das análises filosóficas posteriores não nega esta evidência: apenas a explicita com maior rigor para socorrer os fracos e confundir os soberbos.
O exemplo que nos deu o Pe. Álvaro Calderón mais acima iluminará a compreensão de todas as cinco vias. Passarei brevemente pelas primeira, pela segunda e pela quinta vias, para concentrar-me mais detidamente na terceira via — por ser a mais importante — e a quarta via — pela dificuldade imposta pela mentalidade moderna — tratei mais profundamente em um outro artigo26.
Comecemos, pois, pela exposição das cinco vias.
A via do movimento
Como se lê na Suma Teológica, a via do movimento é a mais manifesta de todas: “Prima autem et manifestior via est”27. Feita esta necessária defesa, prossigamos na exposição da via.
Resumidamente, entende-se que as coisas sofrem mudanças — o que, na linguagem aristotélica, é sinônimo de movimento. Muitos ateus ignorantes afirmam que Santo Tomás teria plagiado ou deformado Aristóteles. Trata-se de uma acusação própria de mentes desonestas ou absolutamente ignorantes. De fato, Santo Tomás superou Aristóteles, elevando sua filosofia à luz da fé. Comentou quase todo o Corpus Aristotelicum, e apenas um inculto ou má-fé poderia sugerir plágio numa época em que tanto a Suma Teológica quanto a Suma Contra os Gentios foram escritas.
Prosseguindo: as coisas que mudam passam da potência ao ato, tal como a água passa do estado frio ao quente. No entanto, o que está em potência não pode passar ao ato por si mesmo: a água, por exemplo, não se aquece sozinha, mas precisa de um agente motor que atualize sua potência, isto é, que a ponha em ato. O fogo, com efeito, possui o ato que a água necessita para se atualizar.
O mesmo ocorre na ordem do ser. O que Santo Tomás ensina é que a comunicação do ato não pode retroceder indefinidamente: é necessário que haja um motor agente em ato, anterior à potência do movido. Assim, deve-se chegar a um Primeiro Motor não movido por outro, que é Puro Ato (Actus Purus), sem nenhuma potência passiva, possuindo em si somente potência ativa — que é, em verdade, o próprio ato.
Alguns, para objetar contra o exposto, recorrem à inércia (imaginando que Newton teria refutado o próprio Santo Tomás), às forças inerentes à matéria (a saber, a gravitação, o magnetismo, a força nuclear fraca e a força nuclear forte) e, por fim, aos movimentos dos animais e plantas. Respondamos:
As forças inerentes à matéria pertencem à própria contingência da matéria. Na Suma Contra os Gentios28, Santo Tomás ensina que o movimento não se dá apenas pelo contato de um corpo com outro, mas também pelas partes entitativas, isto é, pela atualização da matéria por sua forma substancial.
Santo Tomás também reconhece a existência de qualidades passivas (como a massa) e de potências passivas (que, analogamente, correspondem às forças físicas modernas). Essas forças decorrem da própria forma substancial da matéria, que, ao atualizar a potência da matéria prima, lhe confere inclinações naturais (inclinationes naturales).
Assim, longe de refutar o aristotelismo-tomismo, as forças físicas modernas apenas expressam, em linguagem empírica e matemática, aquilo que Santo Tomás já ensinava: que a essência das coisas contém dinamismos e tendências naturais. Nada há de absurdo nisto. Newton, de fato, não refutou o tomismo: apenas descreveu matematicamente movimentos que, na ordem ontológica, são explicados pela presença de formas substanciais dotadas de inclinações naturais.
Os corpos inanimados movem-se, portanto, pela força de sua forma substancial, analogamente ao modo como os animais se movem por sua alma sensitiva — mas, no caso dos corpos inanimados, sem que haja vida.
Uma nova objeção surge: como saber se o Ato Puro é o Deus verdadeiro, e não apenas uma ficção como o primeiro motor imóvel de Aristóteles?
É uma indagação interessante e legítima, sobretudo para aqueles que não conhecem profundamente a primeira via.
Com efeito, o Ato Puro de Aristóteles, embora real enquanto causa suprema do movimento, é concebido como inerte e indiferente: os entes, segundo ele, tenderiam a atualizar suas potências em busca de uma semelhança à sua perfeição, mas sem serem movidos por Ele diretamente, i.e., é mero fim apetecível.
Santo Tomás, porém, corrige e supera Aristóteles: o Ato Puro não apenas é objeto de desejo ou modelo de perfeição, mas é também Motor agente que, por Sua própria atualidade, move eficazmente todos os entes para a atualização de suas potências.
Mais ainda: Santo Tomás mostra que o Ato Puro move as inteligências e as vontades — infundindo a alma racional nas novas gerações humanas. Ora, isso seria impossível se o Ato Puro não fosse Ele mesmo inteligente e volitivo, pois aquilo que é inferior (a inteligência criada) só pode ser movido a existir por aquilo que é superior (uma Inteligência incriada).
Portanto, o Ato Puro é, necessariamente, um Ser pessoal e benevolente: Ele é o Deus verdadeiro, e não uma abstração filosófica imóvel. É Ele quem nos cria, nos sustenta e nos chama à participação em Sua própria vida.
Aqui está explicada suficientemente como resumo a via do movimento.
Via da causa eficiente
Sem muito o comentar dado o exposto acima. Uma citação de Santo Tomás basta:
“Esta [terceira] via é a seguinte: em todas as causas eficientes ordenadas, o que é primeiro é causa do meio, e o meio é causa do último, seja um só meio ou sejam vários meios. Ora, removida a causa, remove-se aquilo do qual ela é causa. Portanto, removido o primeiro, o meio não poderá ser causa. Ora, se se procedesse ao infinito nas causas eficientes, nenhuma seria causa primeira. Portanto, seriam excluídas todas aquelas que são meios. Isto é, entretanto, manifestamente falso. Logo, é necessário afirmar a existência de uma primeira causa eficiente. Esta é Deus.”29
Assim, passamos à via do Ser Necessário ou terceira via, onde terei de ser mais profundo.
Via do Ser Necessário
Estamos agora no coração das cinco vias. A terceira via trata dos entes contingentes e do ente necessário. É uma via profundamente metafísica, mas, em certo sentido, é também uma das mais intuitivas: praticamente todos os crentes, mesmo sem sabê-lo, creem em Deus por meio desta via. A ideia de que, sem Deus, não existiríamos, é comum — e essa intuição é confirmada e demonstrada pela razão.
Comecemos pela distinção fundamental: existem entes contingentes e entes necessários. O ente contingente é aquele que pode existir ou não existir; o ente necessário é aquele que não pode não existir.
Entre os entes necessários, há dois tipos: o necessário per aliud (por outro) e o necessário per se (por si mesmo). Um exemplo do necessário por outro é o pai em relação ao filho: ambos são contingentes em si mesmos, mas o pai é necessário para que o filho exista. Do mesmo modo, uma pedra desprendida é contingente, mas depende da montanha (relativamente necessária) de onde veio.
Contudo, não é possível que todos os entes sejam contingentes. Pois o contingente, por definição, pode não ser — e o que pode não ser, em algum momento, de fato não foi. Se tudo fosse contingente, então, num dado momento, nada teria existido. Mas do nada, nada vem: o nada absoluto não tem potência alguma para produzir o ser, pois o nada é pura negação, ausência absoluta de ser.
Portanto, é necessário admitir um ente necessário em si mesmo, que tenha em si a razão do seu próprio ser, que seja eterno, imutável e não dependente de nenhum outro: isto é o que todos chamam de Deus.
O Pe. Álvaro Calderón ensina sobre isso:
“Assim como tudo o que observamos na natureza, o ser não lhe pertence por essência, é necessário que haja uma causa de sua existência, ou seja, de que as coisas sejam segundo suas essências; pois as essências estão em potência de ser e estão sendo em ato pelo ato de ser; e é necessário afirmar que as essências das coisas que existem estão participando do ser. Mas então deve haver uma causa que dê razão da existência das coisas e que justifique que sejam:
“• Se é necessário dar razão da existência das coisas que não são por essência, trata-se do ente por essência, isto é, do ente que omnino necessário, necessário por si e não por outro (conclusão da terceira via).
“• Se é necessário dar razão do que as coisas possuem por participação, ou seja, do ser das coisas, também deve tratar-se do ente por essência, no sentido de que o que lhe é próprio, aquilo que o constitui em seu modo próprio e essencial, seja ‘ser’ (conclusão da quarta via).”30
E ainda:
“As coisas, tanto as corruptíveis quanto as necessárias per aliud, têm mais ou menos ser na medida em que o possuem por participação e não por essência. Mas tem que existir o ente por essência, para o qual ‘ser’ é o que lhe é próprio, que tem tudo o que leva à perfeição do ser, ou seja, toda perfeição, porque nada há de perfeição que não seja de algum modo ser. E isto mesmo explica que o ente por essência seja omnino necessário, porque assim como não se pode sequer pensar em um homem que não seja animal racional, porque essa é sua essência e definição, assim também não se poderia pensar que o ente por essência não seja, porque ‘ser’ é sua essência e é o que o define.”31
Como ensina Santo Tomás:
“A terceira via é tomada do possível [ou contingente] e do necessário. Ei-la. Encontramos, entre as coisas, as que podem ser ou não ser, uma vez que algumas se encontram que nascem e perecem. Consequentemente, podem ser e não ser. Mas é impossível ser para sempre o que é de tal natureza, pois o que pode não ser não é em algum momento. Se tudo pode não ser, houve um momento em que nada havia. Ora, se isso é verdadeiro, ainda agora nada existiria; pois o que não é só passa a ser por intermédio de algo que já é. Por conseguinte, se não houve ente algum, foi impossível que algo começasse a existir, hoje, nada existiria: o que é falso. Assim, nem todos os entes são possíveis, mas é preciso que algo seja necessário entre as coisas. Ora, tudo o que é necessário tem, ou não, a causa de sua necessidade de um outro. Aqui, também não é possível continuar até o infinito na série das coisas necessárias que têm uma causa da própria necessidade, assim como entre as causas eficientes, como se provou. Portanto, é necessário afirmar a existência de algo necessário por si mesmo, que não encontra alhures a causa de sua necessidade, mas que é causa da necessidade para os outros: o que todos chamam Deus.”32
Para não deixar margem para nenhuma dúvida escreve Mons. Octavio Nicolás Derisi:
“Fora do Ser do Ato puro do Ser de Deus, nada pode ser que não seja imediata e permanentemente dependente Dele. Portanto, fora do Ser transmitido, todo ser é participado. Somente Ele é o Ser, o Ato puro de ser, que é imparticipado ou por si mesmo, necessário e independente de todo outro ser, e que não necessitou de nada para ser.
“As essências dependem do Ser divino – de sua Essência e de seu Verbo – por via de causalidade exemplar necessária. Elas são porque Deus, com a Inteligência divina, as pensa e as constitui, contemplando-as no modelo de Perfeição infinita de sua Essência, que as funda como participabilidades ou participações possíveis do ser.
“O ser que atualiza e dá realidade às essências também é sempre imediatamente participado do Ser em si. Nenhuma essência é seu ato de ser; ela o recebe gratuita ou contingentemente do Ato puro de ser mesmo. E isto é verdade não apenas para o ser que dá a realidade primeira à essência na Criação, mas para todo ser: também para o ser, que dá atualidade permanente à essência, pela Conservação; e para o ser que é acrescido pela ação da criatura e que não pode proceder somente dela, pois ela nunca é o ser, passa a tê-lo por sua ação, que não está em ato, mas deve vir a ser – transitando nela a partir da potência ou capacidade do ser – pela ação e concurso daquele que é o Ato puro do Ser e a Fonte originária e constante de todo o ser.
“O ato de ser da criatura sempre procede do Ser em si, sendo sempre imediata e eficientemente participado nele. Não pode proceder Dele por emanação, porque o Ser em si é simples e não tem partes.”33
Fica assim claro que o ente contingente necessita do Ipsum Esse Subsistens não apenas como causa eficiente originária, mas também como causa de sua conservação contínua no ser. Se tomarmos a analogia de uma fogueira no centro de uma sala com várias peças de metal ao redor, vemos que o fogo não é apenas a causa da quentura inicial nas peças — em graus diversos — mas é também a causa da permanência dessa quentura. Da mesma forma, o Ipsum Esse Subsistens não apenas inicia o ser dos entes contingentes, como também os conserva incessantemente no ato de ser.
Assim, com esse fundamento bem assentado, podemos avançar para a quarta via.
Via dos graus de perfeição
Aqui serei breve, pois tratei extensamente deste argumento em meu artigo “A mais perfeita prova do ser de Deus”. Conforme exposto acima sobre a participação do ser divino, as criaturas participam em graus diversos do esse de Deus. Sendo Deus a Perfeição Suma, pois é per se perfectus, perfeito por Si mesmo e não por outro, segue-se que toda perfeição encontrada nas criaturas — seja de verdade, bondade, nobreza ou ser — existe nelas de modo limitado e participado.
Assim como diferentes peças de metal, dispostas ao redor de uma fogueira, recebem o calor em maior ou menor grau, mas nenhuma o possui essencialmente, assim também os entes criados possuem perfeições de modo deficiente, por participação daquele que é a própria Perfeição subsistente. O fogo é quente per se, por sua própria natureza, e por isso é causa da quentura das outras coisas. Analogamente, Deus é o Ser, a Verdade, a Bondade e a Nobreza por essência, e por isso é causa dos diversos graus dessas perfeições nas criaturas.
A quarta via, portanto, conclui que, se há graus de perfeição nos entes, e se esses graus só são possíveis por comparação com um máximo que seja a causa e a medida desses graus, então deve existir um Ser que seja a Perfeição mesma, e causa de todas as perfeições nas criaturas — e isso todos chamam Deus.
Via do governo do mundo
Aqui não há necessidade de muitas explicações: tudo o que observamos no universo manifesta uma ordem intrínseca e teleológica. Quando se lança uma pedra para o alto, não se espera que ela suba indefinidamente ou execute piruetas, mas que caia — porque há uma ordem natural regendo os movimentos. O coração humano não tem como função ajudar a respirar ou enxergar, mas bombear sangue — e assim o faz incessantemente, segundo uma finalidade.
Ora, a matéria em si mesma é inerte e cega, não podendo, por sua própria natureza, ordenar-se a um fim. Mas onde há ordenação a um fim — especialmente quando constante e universal — deve haver um agente inteligente que ordena. E se esse agente fosse também material, cairíamos em regressão, pois a matéria não é princípio de ordem por si, e esse ordenador também precisaria ser ordenado. Logo, deve ser um ser imaterial, inteligentíssimo e poderosíssimo, capaz de ordenar todo o cosmos sem depender de outro.
Mais ainda: sendo o mesmo ordenador de toda a natureza, e sendo impossível multiplicar ao infinito causas primeiras, ele deve ser um só. E, como mostrado nas vias anteriores, esse ordenador não apenas dirige as coisas a seus fins, mas também é a causa de sua existência, pois aquilo que não se dá o ser tampouco pode dar-se uma finalidade.
Portanto, as cinco vias convergem nesse ponto: o ser que move sem ser movido, causa sem ser causada, necessário em si mesmo, perfeitíssimo e ordenador de todas as coisas — é o mesmo, e a esse todos chamam Deus.
Corolários das cinco vias
Concluídas as cinco vias, podemos extrair alguns corolários necessários a partir das perfeições que nelas se demonstram:
1. Deus é necessariamente uno. Sendo Deus o Ato Puro, é impossível que haja mais de um. Se houvesse outro “deus”, este se distinguiria do verdadeiro por uma diferença real. Ora, toda diferença implica negação de alguma perfeição. Mas o Ato Puro compreende todas as perfeições; logo, não pode haver dois seres absolutamente perfeitos. Portanto, Deus é absolutamente uno e indivisível.
2. Deus é absolutamente simples. Aquilo que é composto possui partes, e as partes só existem em potência até serem unidas. Mas o que tem potência não é Ato Puro. Sendo Deus Ato Puro, nele não pode haver composição de partes — nem de matéria e forma, nem de essência e existência, nem de acidente e sujeito. Portanto, Deus é absolutamente simples.
3. Deus é infinitamente bom. Toda realidade tende ao bem enquanto perfeição. Ora, Deus, como Ato Puro, é a própria perfeição subsistente. Nele não há potencialidade a ser atualizada, logo possui toda a bondade em grau sumo. Além disso, sendo inteligente, tem vontade; e a vontade tende ao bem. Mas Deus não tende a nada fora de si, pois nada há acima dele. Portanto, Ele é o próprio Summum Bonum, o Bem absoluto em si mesmo.
4. Deus é onisciente. Deus é puro ato e, por isso, sem potência passiva alguma. Seu intelecto é simples, infinito, perfeitíssimo e não depende de imagens ou raciocínios discursivos. Ele é o próprio Intelecto, o próprio Conhecimento e a própria Sabedoria. Conhece tudo o que é, foi, será e poderia ser, não por abstração, mas porque Ele é a causa de todo ser. Conhece todas as coisas porque conhece a si mesmo perfeitamente.
5. Deus não pertence a nenhum gênero. Os entes que pertencem a um gênero possuem uma essência comum e se distinguem pelas diferenças específicas. Mas em Deus não há composição de essência e existência ou ato de ser: Ele é Ipsum Esse Subsistens, o próprio Ser subsistente. Sendo assim, não pode ser encaixado em gênero algum, pois está acima de toda classificação ontológica aplicável às criaturas.
6. Deus é eterno. A eternidade não significa apenas duração sem fim, mas ausência total de sucessão. Tempo é medida do movimento segundo o antes e o depois. Mas em Deus não há mudança, pois Ele é Ato Puro. Portanto, Ele está fora do tempo e é eterno de maneira absoluta: sempre sendo, sem princípio, sem fim, sem sucessão.
Assim, como ensina Santo Tomás de Aquino, podemos conhecer certamente não só a existência de Deus por via racional, mas também diversas de suas perfeições: unidade, simplicidade, bondade, sabedoria, eternidade, e mais — tudo isso de modo analógico e elevado, com base na causalidade e na participação dos entes contingentes no Ser necessário.
Para confirmação e aprofundamento, tudo quanto aqui se expôs pode ser encontrado na Suma Teológica34 e na Suma contra os Gentios35.
CONCLUSÕES SOBRE O AGNOSTICISMO
Uma vez demonstrado, pelas cinco vias, que o conhecimento de Deus é certo, impõe-se como necessário demonstrar também que Ele é o fim último do homem. Com efeito, negar essa conclusão é dissolver o próprio sentido da existência, tanto natural quanto sobrenatural.
Comecemos com uma síntese claríssima do autor Daniel C. Scherer, que resume os princípios metafísicos da causalidade:
“O obrar das coisas naturais não se explica completamente sem o obrar divino. A essência das coisas naturais, comunicada por geração, não é causada por elas mesmas, exclusivamente, porque nenhuma delas é causa de sua própria essência, ou seja, nenhuma delas explica por que ela própria tem tal essência. Antes, as essências são causadas por Deus por meio das coisas criadas, atuando estas últimas como que instrumentalmente. E, depois de comunicadas universalmente, as formas específicas são ainda sustentadas ou conservadas por Deus no ser. Deus, portanto, também conserva a capacidade causal das coisas criadas. As coisas criadas são, então, causas segundas, cuja própria causalidade, real e verdadeira, depende, nada obstante, da Causa Primeira (é justamente porque sua ação não se explica sem uma Causa Primeira que as coisas criadas podem ser ditas causas segundas). A ideia divina dos vários entes é a causa exemplar das coisas criadas (e não apenas no que têm de universal, senão também no que têm de singular, porque Deus é a causa do ente todo, como já diremos), e também sua causa eficiente e final, porque a operação das coisas criadas é dirigida (finaliter) e conformada (efficienter) pela operação divina.”36
Deus, portanto, é não apenas a causa eficiente primeira de tudo o que existe, mas também o obreiro atual e permanente de todas as causas segundas, as quais recebem d’Ele o ser e o operar. Ora, agir com inteligência é agir por um fim. E, sendo Deus inteligência puríssima, todo o seu operar é essencialmente finalístico.
Entretanto, Deus não pode ter um fim fora de si. Pois todo ente age por um bem superior, e nada está acima de Deus. Sendo o Ipsum Esse Subsistens e o Summum Bonum, Deus é seu próprio fim. Logo, tudo quanto d’Ele procede deve igualmente estar ordenado a Ele como a um fim último. É o que expressa magistralmente o teólogo dominicano Pe. Antonio Royo Marín:
“Deus é infinitamente feliz em si mesmo e absolutamente não necessita das criaturas, que não podem aumentar sua felicidade íntima. Mas Deus é Amor, e o amor, por sua natureza, é comunicativo. Deus é o Bem infinito, e o bem tende, por sua própria natureza, a se difundir: bonum est diffusivum sui, dizem os filósofos. Eis aí a razão da criação.
“Deus quis, com efeito, comunicar suas infinitas perfeições às criaturas, tentando com isso sua própria glória extrínseca. A glorificação de Deus pelas criaturas é, em definitiva, a razão última e suprema finalidade da criação.
“A explicação disso não pode ser mais clara, mesmo à luz da simples razão natural, privada das luzes da fé. Pois é um fato filosoficamente indiscutível que todo agente age por um fim, sobretudo o agente intelectual. Portanto, Deus, primeiro agente inteligentíssimo, deve agir sempre por um fim. Ora, como nenhum dos atributos ou ações de Deus se distingue de sua própria essência divina, mas se identifica totalmente com ela, se Deus tivesse intentado na criação um fim distinto de si mesmo, teria subordinado e referido sua ação criadora a esse fim — pois todo agente ordena sua ação ao serviço do fim que pretende ao agir — com o que teria subordinado o próprio Deus, já que sua ação é Ele mesmo. E assim, esse fim estaria acima de Deus; ou seja, Deus não seria Deus. É, pois, absolutamente impossível que Deus intente com alguma de suas ações um fim qualquer distinto de si mesmo. Deus criou todas as coisas para sua própria glória; as criaturas não podem existir senão n’Ele e para Ele.”37
Negar, portanto, que Deus seja o fim último do homem é negar a própria estrutura metafísica da realidade. É aniquilar o fundamento do sentido, da moral, da inteligência e da vontade. Por isso, os agnósticos que pretendem suspender o juízo (como Huxley e Comte) são, de fato, ateus sistemáticos. E os apologistas protestantes que defendem a existência de Deus como apenas uma hipótese plausível (como Plantinga e Craig) não fazem senão dobrar o joelho à modernidade cética, reduzindo a realidade divina a um “provável ser necessário”.
Se Deus não é o fim último da existência humana, então o homem é uma anomalia cósmica — e não uma criatura racional criada para a bem-aventurança eterna e a sua existência é um absurdo. Mas, como Santo Tomás demonstra, o homem, por sua própria natureza intelectual e volitiva, tende ao Summum Bonum. E só pode encontrá-lo em Deus.
Tudo isso nos mostra o seguinte: se Deus é sujeito de dúvida, Ele já não é o fim último. Ora, aquilo que é o fim último e a razão de ser de todas as coisas não pode ser posto em dúvida. Se Deus pode ser duvidado, então nada mais tem razão de ser. Além disso, a própria moral se desfaz, pois a ordem moral exige um fundamento absoluto, e o absoluto não pode ser incerto.
Aos que se dizem cristãos, mas abraçam as doutrinas de William Lane Craig ou Alvin Plantinga — que tratam Deus como algo meramente provável ou possível — cumpre advertir: essa posição é, na prática, inútil para a apologética e desastrosa para a fé. Por quê? Porque, se Deus é apenas provável ou possível, não há obrigação racional de crer n’Ele. O intelecto humano não se obriga diante do provável, mas somente diante do certo. Portanto, nessa visão, o ateu está justificado em sua descrença, e não há culpa moral. Em outras palavras, o modelo craiguiano e plantinguiano exonera o ateísmo e mina a apologética.
Daí se conclui que o agnosticismo não difere substancialmente do ateísmo. E o agnosticismo dito “piedoso” — tão comum nos círculos modernistas — é apenas um degrau rumo à negação de Deus, como ensinou São Pio X na encíclica Pascendi Dominici Gregis. O agnosticismo não passa de trevas disfarçadas de humildade intelectual, que dizem proteger contra o ofuscamento da luz. Ora, é verdade que a luz divina ofusca, mas essa mesma luz se reflete nas criaturas, para que o homem, usando sua razão, veja e conheça a Deus. O agnóstico, porém, fecha os olhos diante da criação, recusa os vestígios divinos e espera ser iluminado sem querer ver. Isso não acontecerá.
THOMAS HENRY HUXLEY, Agnosticism, na revista The Nineteenth Century, vol. XXV, nº CXLIV, fevereiro de 1889, pp. 169-194.
Ibid., p. 171.
Ibid., p. 186.
Ibid., p. 187.
Ibid., p. 183.
Ibid., p. 185.
Ibid., p. 174.
Ibid., p. 191.
A crise do mundo moderno, Rio de Janeiro-RJ, Livraria Agir Editora, 1951, p. 96.
Cf. “Ocultamento divino e a distribuição demográfica crença teísta”, blog Rebeldia Metafísica. Ainda “Divine hiddenness argument against God’s existence”, site Internet Encyclopedia of Philosophy.
Institutio Christianae Religionis, lib. I, cap. 3.
Para exemplos, temos os casos de Dina Sanichar (1860-1895), criado por animais selvagens, foi encontrado sem saber nenhuma linguagem e se comportando os animais selvagens. O caso é amplamente conhecido e pesquisável na internet. Também há o caso de Victor de Aveyron (1788-1828), mais antigo. (Cf. LUCIEN MALSON & JEAN ITARD, Wolf Children and the problem of human nature, Nova York-NY e Londres, New Left Books, 1972).
S.Th., II-II, q. 15, a. 3.
Diz o Concílio Vaticano I: “Se alguém disser que o Deus uno e verdadeiro, criador e Senhor nosso, não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas: seja anátema.” — “Si quis dixerit, Deum unum et verum, creatorem et Dominum nostrum, per ea, quae facta sunt, naturali rationis humanae lumine certo cognosci non posse: anathema sit.” (S.S. PIO IX, Concílio Vaticano I, sessão III, constituição dogmática Dei Filius, cap. 2 cân. 1, Denzinger-Hünermann 3026).
Carta encíclica Pascendi Dominici gregis, 8 de setembro de 1907.
Ibid.
Loc.cit.
Citação completa: Texto grego (Nestle-Aland 28): τὰ γὰρ ἀόρατα αὐτοῦ ἀπὸ κτίσεως κόσμου τοῖς ποιήμασιν νοούμενα καθορᾶται, ἥ τε ἀΐδιος αὐτοῦ δύναμις καὶ θειότης, εἰς τὸ εἶναι αὐτοὺς ἀναπολογήτους· Transliteração: ta gar aorata autou apo ktiseōs kosmou tois poiēmasin nooumena kathoratai, hē te aidios autou dynamis kai theiotēs, eis to einai autous anapologētous.
Perceba o leitor que muitos desses autores não são necessariamente ateus, mas uma das consequências de sua influência é sim o ateísmo.
In I Physic., lect. 1.
Ibid,
“Principium a quo motus et quietos per se ut primam in essendo” (P. ÁLVARO CALDERÓN, F.S.S.P.X., La naturaleza y sus causas, Buenos Aires, Ediciones Corredentora, 2016, t. 2, p. 179).
In I Physic., lect. 1.
Loc.cit., p. 172.
S.Th., I, q. 2, a. 3.
Ibid.
Lib. I, cap. 13.
S.C.G., lib. I, c. 13.
El ordem sobrenatural: un inmersión en el tomismo profundo, Buenos Aires, Ediciones Corredentora, 2020, pp. 115-116.
Ibid., p. 116.
S.Th., I, q. 2, a. 3, corpus.
“La participación del ser”, Sapientia, 1982, vol. XXXVIII, p. 247.
I, qq. 3-26
Lib. I, cc. 28-102
A metafísica da revolução, Formosa-GO, Edições Santo Tomás, 2021, p. 241.
Teologia de la Perfección Cristiana, Madrid, B.A.C., 2015, p. 48.